Confira a estreia da COLUNA “NOS TRILHOS DE MAUÁ: HISTÓRIA EM MOVIMENTO”
- Jornal Mauá Hoje
- 11 de ago.
- 4 min de leitura
Das cadernetas ao supermercado: transformações no consumo em Mauá dos anos 1970
Descubra como bares de bairro abasteciam a cidade antes da chegada do primeiro supermercado
Por Cecília A. B. Camargo, professora de Arte, curadora museal e especialista em conservação e restauro de obras de arte; e Jorge S. C. Sequeira (Estel Santiago),relações públicas, cerimonialista e conselheiro de defesa do patrimônio cultural de
Mauá.

Na década de 1970, os supermercados ainda eram uma novidade em
Mauá. Quem fazia as vezes de mercado eram os bares de bairro, onde se
encontrava de tudo: de óleo de soja a granel até leite de saquinho, frutas,
legumes e doces.
“Na Vila Noêmia, havia três desses bares, um em cada esquina”, recorda
Cecília. “Os mais antigos eram o do seu Antônio de Souza e sua esposa,
dona Frida; o do senhor Fernando Parmejani e dona Cacilda; e o do senhor
Rodrigues.”, relembra Cecília, moradora de Mauá desde seu nascimento,
em 1963.
Esses estabelecimentos ofereciam os chamados ‘secos e molhados’,
produtos essenciais para o dia a dia. Como não havia muitas padarias na
região, a corrida pelo pão e pelo leite acontecia cedo, logo pela manhã.
“Depois das nove horas da manhã já não se conseguia mais comprar o pão
e o leite”, rememora a professora.
Uma das imagens mais marcantes da época era o tambor de 200 litros de
óleo de soja, com bomba manual, de onde se enchiam garrafas de vidro
de 1 litro para se poder cozinhar em casa. Normalmente, ao lado desse
tambor, era comum haver sacos de 60 kg de tubérculos e leguminosas,
para venda a granel. Além de batatas, havia sacas de arroz, de feijão e de
farinha, todas abertas e com as bordas enroladas como gola, alimentos
que, ao serem vendidos, eram pesados em uma balança com régua de
pesos, geralmente vermelha e da marca Filizola.

Os balcões, geralmente de madeira com fórmica colorida (verde, azul,
preto ou cinza, com raiados imitando mármore), tinham vitrines de vidro
onde ficavam expostos os doces. “Eram a alegria e o desejo das crianças”,
diz Cecília.
As guloseimas mais populares eram doce de abóbora, doce de batatadoce,
gelatina coberta de açúcar, bananinha, maria-mole, cocada, paçoca
Amor, bala de hortelã e bala de frutas. “Com uma moeda de 20 centavos,
conseguíamos comprar ao menos um doce para ‘matar’ as lombrigas”.
Os bares vendiam cigarros, bebidas e também petiscos variados. Entre os
petiscos estavam picles, salsicha em conserva, tremoço, bolinho de ovo,
presunto, mortadela, salame e chouriço. O pão com mortadela era um dos
mais pedidos. “O café e o pingado também eram muito requisitados, mas
a cachaça, essa ganhava de longe”, afirma Cecília.
Cervejas em garrafa de 600 ml, cachaça de alambique e vinho eram
armazenados em garrafões de 5 litros reforçados com palha. “A gente ia
buscar com os litros de vidro para levar pra casa. Na época era
considerado normal que crianças comprassem, a mando dos pais, bebidas
alcoólicas e também cigarros”.
Mas nem todos os horários eram apropriados para frequentar os bares,
especialmente para mulheres e crianças. “Não era de bom tom crianças e
mulheres irem ao bar no horário do almoço ou no final da tarde, pois os
bares ficavam cheios de homens bebendo, brincando e falando
bobagens”, diz. “Meus pais nunca permitiram que eu fosse ao bar nesses
horários.”
As compras no bar também eram feitas de forma muito diferente dos dias
atuais. A prática do fiado era registrada em duas pequenas cadernetas:
uma com o dono do bar, e outra com o cliente. “Ao final do mês, a conta
era somada e a cobrança realizada. Muitas vezes, quando o pagamento
não era efetuado, acontecia o pior: a caderneta ficava suspensa, e novas
compras eram vetadas até o acerto das contas”.

O surgimento do supermercado em Mauá
Com o passar do tempo, os pequenos mercados começaram a surgir e, em
setembro de 1974, Mauá viu a inauguração do primeiro supermercado da
cidade: o Superbom, na Avenida João Ramalho (local onde até hoje existe
um atacadista). “Era uma novidade ter, em um mesmo local, uma padaria,
um açougue e todos os outros produtos”, conta Cecília.
A mudança foi significativa. “As pessoas iam até o supermercado apenas
para ver como era. Caminhavam a esmo pelos corredores observando os
mais diversos produtos, como se fosse um passeio ao shopping nos dias
de hoje”, relembra. A variedade de produtos era grande se comparada aos
bares de vila ou ao então mercadinho Onitsuka – que viria a se tornar uma
rede de supermercados, após a chegada do Superbom.
Hoje, com hipermercados e atacadistas por todos os lados, a memória de
um tempo em que se comprava aguardente, vinho e óleo com garrafas de
vidro parece quase inacreditável. Mas, como contado nesta coluna, foi
justamente nesse cotidiano simples, entre doces no balcão e óleo no
tambor, que Mauá construiu seu legado de desenvolvimento e progresso.









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